Vale a leitura da profecia do ano 2000...
A ONU e a Globalização
Por Michel Schooyans
Tradução: Dr. Rui Correia Costa
Trocas e interdependência
Os termos mundialização e globalização são hoje em dia parte do
vocabulário corrente. Em um plano bastante geral, os dois termos são, por
assim dizer, intercambiáveis. Significam que, em escala mundial, as trocas
multiplicaram-se e que esta multiplicação deu-se rapidamente. Este é o caso
evidente nos setores científicos, técnicos e culturais. Essa multiplicação de
trocas tornou-se possível graças a sistemas de comunicação mais e mais
eficazes e, na maioria das vezes, instantâneos.
Ainda nesse primeiro sentido corrente, os termos mundialização e
globalização, evocam a interdependência das sociedades humanas. Uma crise
econômica nos EUA; decisões da OPEP sobre o preço do petróleo; as tensões
entre palestinos e israelenses -para citar apenas alguns exemplos- tem
repercussões de caráter mundial. Somos envolvidos, interpelados e mesmo
afetados por catástrofes que se passam longe de nós; sentimos nossa
responsabilidade diante da fome e da doença em toda parte no mundo.
As próprias religiões dialogam intensamente. No interior mesmo da Igreja
católica, as comunicações se intensificaram.
Adquirimos assim uma aguda consciência de pertencermos à comunidade
humana. Nesse primeiro sentido, habitual, falamos de uma integração. Na
linguagem comum diz-se que "as distâncias não contam mais"; que "as viagens
aproximam os homens"; que "o mundo tornou-se uma aldeia".
O mundo tende a uma maior unidade; em princípio não devemos senão
nos alegrar. Além disso, é normal que, para atingir esse fim, torne-se
necessário considerar novas estruturas políticas e econômicas, capazes de
responder a essas novas necessidades. Mas isso não pode ser a qualquer preço
ou em quaisquer condições.
Unificação política, integração econômica
De alguns anos para cá, o sentido das palavras mundialização e
globalização, tornou-se um pouco mais preciso. Por mundialização, entende-se
agora a tendência que leva à organização de um governo mundial único. A
tônica é portanto colocada sobre a dimensão política da unificação do mundo.
Em sua forma atual, tal tendência foi desenvolvida por diversas correntes
estudadas pelos internacionalistas. No‚ âmbito desta comunicação, bastará
citar dois exemplos. O primeiro modelo remonta ao final dos anos 60 e da
autoria de Zbigniev Brzezinski Segundo esse modelo, os USA devem assumir a
liderança mundial, reformular seu tradicional messianismo. Devem organizar
as sociedades políticas particulares, levando em conta uma tipologia que
classifica tais sociedades em três categorias, segundo seu grau de
desenvolvimento. A mundialização define-se aqui a partir de uma projeto
hegemônico com objectivo de porte: impor a Pax americana ou mergulhar no
caos.
Ao final dos anos 80 surge um outro projeto mundialista, do qual Willy
Brandt é um dos principais artesãos. O Norte (desenvolvido) e o Sul (em
desenvolvimento) necessitam um do outro; seus interesses são recíprocos. É
urgente tomar iniciativas internacionais novas para superar o abismo que os
separa. Tais iniciativas devem ser tomadas no plano político; devem
prioritariamente incidir sobre o sistema monetário, o desarmamento, a fome.
Segundo o "programa de sobrevivência" do relatório Brandt, será preciso criar
"um mecanismo de vigilância de alto nível" que teria por principal missão tornar
a ONU mais eficaz, assim como consolidar o consenso que a caracteriza. A
concepção de mundialização que aparece aqui não se vincula de maneira
alguma a um projeto hegemônico. Situa-se na tradição do internacionalismo
socialista . Sem dúvida, não se chega a recomendar a supressão dos Estados,
mas, a soberania destes deverá ser limitada e colocada sob controle de um
poder mundial, se quisermos garantir a sobrevivência da humanidade.
Ao mesmo tempo em que o termo mundialização adquiria uma conotação
sobretudo política, a palavra globalização adquiria, esta, uma conotação
sobretudo econômica. A multiplicação das trocas, a melhoria das comunicações
internacionais estimulam a falar de uma integração dos agentes econômicos
mundiais. As diferentes atividades econômicas seriam divididas entre os
diferentes Estados ou regiões: o trabalho seria dividido. A uns caberia, por
exemplo, as tarefas de extração; a outros aquelas de transformação; a outros
ainda caberiam as tarefas de produção tecnológica, de coordenação mundial, de
decisão. Essa visão da globalização é de inspiração francamente liberal. Com
uma certa ressalva porém: ainda que seja preconizada, de maneira ampla, a
livre circulação de bens e capitais, o mesmo não se dá quanto a livre circulação
de pessoas.
Globalização e holismo
Nos documentos recentes da ONU, o tema da globalização surge com
mais frequência que o da mundialização, sem contudo entrarem esses temas
em concorrência.
A ONU incorpora as concepções correntes que acabamos de lembrar.
Contudo, aproveita-se da onda favorável que oferece a atual concepção da
globalização para submeter essa palavra a uma alteração semântica. A
globalização vem sendo reinterpretada à luz de uma nova visão do mundo e do
lugar homem no mundo. Essa nova visão tem por nome holismo. Essa palavra, de
origem grega, significa que o mundo constitui um todo, dotado de mais
realidade e mais valor que as partes que o compõe. Nesse todo, a surgimento do
homem, não é senão um avatar da evolução da matéria. O homem não tem
realidade senão em razão de sua inerência à matéria e, pela morte, retornará
definitivamente à matéria. O destino do homem é ser votado à morte, é
inelutavelmente desaparecer na Mãe-Terra, de onde nasceu.
O grande todo, chamemo-lo assim para simplificar, a Mãe-Terra, ou Gaia,
transcende portanto o homem. Este deve curvar-se aos imperativos da ecologia,
às conveniências da Natureza. O homem deve não somente aceitar não mais
emergir do mundo ambiente; deve também aceitar não ser mais o centro do
mundo. Segundo essa leitura, a lei "natural" não é mais aquela inscrita em sua
inteligência e no seu coração; é a lei implacável e violenta que a Natureza impõe
ao homem. A vulgata ecológica apresenta-o mesmo como um predador, e como
toda população de predadores, a população humana deve, como se diz, ser
contida dentro dos limites do desenvolvimento sustentável. O homem, portanto,
deve não somente aceitar sacrificar-se hoje aos imperativos da Mãe Gaia, como
também aceitar sacrificar-se aos imperativos dos tempos vindouros.
A Carta da Terra
A ONU está em processo de montar um documento muito importante
sistematizando essa interpretação holística da globalização. Trata-se da Carta
da Terra, da qual inúmeros rascunhos já forma divulgados e cuja redação se
encontra em fase final. Esse documento seria invocado não apenas para
superar a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, como, segundo
alguns, deveria suplantar o próprio Decálogo.
Vejamos, a título de exemplo, alguns extratos dessa Carta:
"Nos encontramos em um momento crítico da história da Terra, o
momento de escolher seu destino... Devemos nos unir para fundar uma
sociedade global durável, fundada no respeito à natureza, aos direitos
humanos universais, à justiça econômica e à cultura da paz...
A humanidade é parte de um vasto universo evolutivo... O meio ambiente
global, com seus recursos finitos, é uma preocupação comum a todos os
povos. A proteção da vitalidade, da diversidade e da beleza da Terra é um
dever sagrado...
Um aumento sem precedentes da população humana sobrecarregou os
sistemas econômicos e sociais...
Eis nossa escolha: formarmos uma sociedade global para cuidarmos da
Terra e cuidarmos uns dos outros ou nos expormos aos risco de nos
destruir a nós mesmos e destruir a diversidade da vida...
Precisamos com urgência de uma visão compartilhada a respeito dos
valores de base que ofereçam um fundamento ético à comunidade
mundial emergente..."
As religiões e o globalismo
Para consolidar essa visão holística do globalismo, alguns obstáculos
devem ser aplainados e instrumentos elaborados.
As religiões em geral, e em primeiro lugar a religião católica, figuram
entre os obstáculos que se devem neutralizar. Foi com esse objectivo que se
organizou, no quadro das celebrações do Milênio em setembro de 2000, a
Cúpula de líderes espirituais e religiosos. Trata-se de lançar a "Iniciativa unida
das Religiões " que tem entre seus objetivos velar pela saúde da Terra e de
todos os seres vivos. Fortemente influenciado pela New Age, esse projeto visa
em seu termo a criação de uma nova religião mundial única, o que implicaria
imediatamente a proibição à toda outra religião de fazer proselitismo. Segundo
a ONU, a globalização não deve envolver apenas as esferas da política, da
economia, do direito; deve envolver a alma global. Representando a Santa Sé, o
Cardeal Arinze não podia assinar o documento final, colocando todas as
religiões no mesmo pé de igualdade.
O Pacto econômico mundial
Entre os numerosos instrumentos elaborados pela ONU em vista da
globalização, o Pacto mundial merece ser aqui mencionado. Em seu discurso de
abertura ao Forum do Milênio, o sr. Kofi Annan retomava o convite que dirigira
em 1999 ao Forum econômico de Davos. Propunha portanto "a adesão a certos
valores essenciais no domínio das normas de trabalho, dos direitos do homem e
do meio ambiente". O Secretário geral da ONU garantia que dessa maneira se
reduziriam os efeitos negativos da globalização. Mais precisamente, segundo o
sr. Annan, para superar o abismo entre o Norte e o Sul, a ONU deveria fazer
amplamente apelo ao setor privado. Tratar-se-ia de obter a adesão a esse pacto
de um grande número de atores econômicos e sociais: companhias, homens de
negócio, sindicatos, ONGs. Esse Global Compact ou Pacto mundial seria uma
necessidade para se regular os mercados mundiais, para ampliar o acesso às
tecnologias vitais, para distribuir a informação e o saber, para divulgar cuidados
básicos em matéria de saúde, etc. Esse Pacto já recebeu numerosos apoios,
entre outros, da Shell, de Ted Turner, proprietário da CNN, de Bill Gates e
mesmo de diversas internacionais sindicais.
O Pacto Mundial suscita, é óbvio, graves interrogações. Será que podemos
contar com as grandes companhias mundiais para resolver os problemas que
elas teriam podido contribuir a resolver há muito tempo se o tivessem desejado?
A multiplicação das trocas econômicas internacionais justifica a instauração
progressiva de uma autoridade centralizada, chamada a reger a atividade
econômica mundial? De que liberdade gozarão ainda as organizações sindicais
se as legislações trabalhistas, incorporadas ao direito internacional, devessem
se submeter aos "imperativos" econômicos "globais"? De que poder de
intervenção os governos dos Estados soberanos gozarão ainda para intervir, em
nome da justiça, nas questões econômicas, monetárias e sociais? Mais grave
ainda: como a ONU está sempre à beira da falência, não se arrisca ela ser vítima
de uma tentativa de compra por parte de um consórcio de grandes companhias
mundiais?
Um projeto político servido pelo direito
É porém no plano político e jurídico que o projeto onusiano de
globalização é o mais inquietante. Na medida em que, como vimos, a ONU,
influenciada pela New Age, desenvolve uma visão materialista, estritamente
evolucionista do homem, ela desativa, necessariamente a concepção realista do
homem que está subjacente à Declaração de 1948. Segundo essa visão
materialista, o homem, pura matéria, é definitivamente incapaz de dizer seja lá
o que for de verdadeiro sobre ele mesmo ou sobre o sentido de sua vida. É
assim reduzido ao agnosticismo de princípio, ao ceticismo e ao relativismo
moral. Os porquês? não tem sentido algum; só importam os como?
A Declaração de 1948 apresentava esse prodigiosa originalidade de
fundar as relações internacionais novas na extensão universal dos direitos do
homem. Tal deveria ser o fundamento da paz e do desenvolvimento. Tal deveria
ser a base legítima da existência da ONU que justificaria sua missão. A ordem
mundial deveria ser edificada sobre verdades fundadoras, reconhecidas por
todos, protegidas e promovidas progressivamente através da legislação de todos
os Estados.
A ONU hoje desativou essas referências fundadoras. Hoje, os direitos do
homem não são mais fundados em uma verdade que se impõe a todos e por
todos livremente reconhecida: a igual dignidade de todos os homens. Daqui em
diante os direitos do homem são o resultado de procedimentos consensuais.
Uma vez que não somos capazes -é o que se diz- de atingir uma verdade sólida a
respeito do homem, e que mesmo, uma tal verdade não é accessível ou não
existe, devemos entrar em acordo e decidirmos, por um ato de pura vontade, o
que é a conduta justa, pois as necessidades da ação nos pressionam. Porém,
não iremos mais decidir referindo-nos todos às exigências de valores que a nós
se impõem pela simples força de sua verdade. Vamos nos engajar em um
procedimento de discussão e após ouvir a opinião de cada um, decidiremos;
tomaremos uma decisão. Esta decisão será considerada justa porque será o
resultado efetivo do procedimento consensual. Se reconhece aqui a influência
de John Rawls.
Os "novos direitos do homem" segundo a ONU atual surgiram a partir de
procedimentos consensuais que podem ser reativados indefinidamente. Não são
mais expressão de uma verdade atinente ao homem; são a expressão da
vontade daqueles que decidem. Daqui em diante, ao termo de tal procedimento,
qualquer coisa poderá ser apresentada como "novo direito" do homem: direito às
uniões sexuais diversas, ao repúdio, aos lares monoparentais, à eutanásia, -
enquanto se aguarda pelo infanticídio, já praticado, a eliminação dos
deficientes físicos, os programas eugenistas, etc. É por essa razão que nas
assembleia internacionais organizadas pela ONU os funcionários onusianos se
empenham com todas suas forças para chegar ao consenso. De fato, uma vez
adquirido, o consenso é invocado para fazer com que se adotem convenções
internacionais que adquirem fôrça de lei nos Estados que as ratificaram.
Um sistema de direito internacional positivo
É esse o núcleo do problema colocado pela globalização segundo a ONU.
Através de suas convenções ou de seus tratados normativos, a ONU está prestes
a articular um sistema de direito supra-estatal, puramente positivo, que leva o
forte cunho de Kelsen. O objeto do Direito não é mais a justiça mas sim a lei.
Uma tendência fundamental se observa cada vez mais: as normas dos direitos
estatais não são válidas se não forem validadas pelo direito supra-estatal. Como
Kelsen antecipara em sua célebre Teoria Pura, o poder da ONU concentra-se de
maneira piramidal. Todos, indivíduos ou Estados, devem obedecer à norma
fundamental surgida da vontade daqueles que definem o direito internacional.
Esse direito internacional puramente positivo, livre de toda referência à
Declaração de 1948, é o instrumento utilizado pela ONU para impor ao mundo
a visão da globalização que deveria lhe permitir colocar-se como super-Estado.
Um Tribunal penal internacional
Controlando o direito, colocando-se mesmo, de maneira definitiva, como a
única fonte do direito e podendo a todo momento verificar se esse direito é
respeitado pela instâncias executivas, a ONU introniza um sistema de
Pensamento único. Atribui-se portanto um tribunal talhado para sua sede de
poder. Assim, crimes contra os "novos direitos" do homem poderiam ser
julgados pela Corte Penal Internacional, fundada em Roma em 1998. Por
exemplo, na medida em que o aborto não seria legalizado em um determinado
Estado, o Estado em questão poderia ser excluído da "sociedade global"; na
medida em que um grupo religioso se opusesse à homossexualidade, ou à
eutanásia, esse grupo poderia ser condenado pela Corte penal internacional
por atentar contra os "novos direitos do homem".
A "governância" global
Estamos portanto diante de um projeto gigantesco, que ambiciona
realizar a utopia de Kelsen, visando "legitimar" e montar um governo mundial
único, no qual as agências da ONU poderiam tornar-se ministérios. É urgente -
garantem-nos- criar uma nova ordem mundial, política e legal, e é preciso
apressar-se para encontrar os fundos para se executar o projeto.
Essa "governância" mundial já fora objeto de um encaixe ao Relatório do
PNUD em 1994. O texto, redigido a pedido do PNUD por Jean Tinbergen,
prêmio Nobel de Economia (1969), apresenta-se com ares de um manifesto
encomendado pela e para a ONU. Eis aqui um extrato.
"Os problemas da humanidade não podem mais ser resolvidos pelos
governos nacionais. Do que necessitamos é um governo mundial.
A melhor maneira de se consegui-lo, é reforçar o sistema das Nações
Unidas. Em certos casos, isso significaria ser necessário mudar o papel
das agências das Nações Unidas e que, de consultivas, se tornassem
executivas. Assim, a FAO tornar-se-ia o Ministério Mundial da
Agricultura, UNIDO tornar-se-ia o Ministério Mundial da Indústria e ILO o
Ministério Mundial dos Assuntos Sociais.
Em outros casos, instituições completamente novas seriam necessárias.
Estas poderiam comportar, por exemplo, uma Polícia Mundial
permanente que poderia citar nações a comparecerem diante da Corte
Internacional de Justiça, ou diante de outras cortes especialmente
criadas. Se as nações não respeitassem as decisões da Corte, seria
possível aplicar sanções, tanto militares quanto não-militares."
Sem dúvida, enquanto existem e cumprem bem seu papel, as nações
particulares protegem seus cidadãos; esforçam-se em fazer respeitar os direitos
do homem e utilizam para esse fim os recursos apropriados.
Atualmente, nos ambientes da ONU, a destruição das nações aparece
como objetivo a atingir se quisermos extinguir definitivamente a concepção
antropocêntrica dos direitos do homem. Eliminando esse corpo intermediário
que é o Estado nacional, eliminar-se-ia a subsidiariedade pois seria constituído
um Estado mundial centralizado. O caminho estaria aberto para a chegada dos
tecnocratas globalizantes e outros aspirantes à "governância" mundial.
Reafirmar o princípio da subsidiariedade
Assim, o direito internacional positivo é o instrumento utilizado pela ONU
para organizar a sociedade mundial global. Sob disfarce de globalização, a ONU
organiza em seu beneficio a "governância" mundial. Sob o disfarce de
"responsabilidade compartilhada", ela convida os Estados a limitar sua justa
soberania. A ONU globaliza apresentando-se cada vez mais como super-Estado
mundial. Tende a governar todas as dimensões da vida, do pensamento e das
atividade humanas armando um controle cada vez mais centralizado da
informação, do conhecimento e das técnicas; da alimentação, da vida humana,
da saúde e das populações; dos recursos do solo e do subsolo; do comércio
mundial e das organizações sindicais; enfim e sobretudo, da política e do
direito. Exaltando o culto néo-pagão da Mãe-Terra, priva o homem do lugar
central que lhe reconhecem as grandes tradições filosóficas, jurídicas, políticas
e religiosas.
Diante desse globalismo alicerçado na areia, é preciso reafirmar a
necessidade e a urgência de fundamentar a sociedade internacional no
reconhecimento da igual dignidade de todos os homens. O sistema jurídico que
predomina na ONU torna esse reconhecimento estritamente impossível, pois o
direito e os direitos do homem não podem proceder senão de determinações
voluntárias. É preciso portanto reafirmar a primazia do princípio de
subsidiariedade tal como deve ser corretamente compreendido. Isso significa
que as organizações internacionais não podem espoliar os Estados, nem os
corpos intermediários, nem em particular a família, de suas competências
naturais e de seus direitos, mas que, ao contrário, devem ajudá-los a exercê-los.
Quanto à Igreja, não pode senão se insurgir contra essa globalização
implicando uma concentração do poder que exala totalitarismo. Diante de uma
impossível "globalização", que a ONU se esmera em impor alegando um
"consenso" sempre precário, a Igreja deve aparecer, semelhante ao Cristo, como
sinal de divisão. Não pode endossar nem uma "unidade" nem uma
"universalidade" que estivessem acima das vontades subjetivas dos indivíduos
ou impostas por alguma instância pública ou privada. Diante da emergência de
um novo Leviatã, não podemos ficar calados, nem inativos, nem indiferentes.
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1. Para uma discussão mais ampla dos temas abordados nessa comunicação,
poder-se-á referir ao nosso livro La face cachée de l’ONU, Paris, Éditions Le
Sarment/Fayard, 2000.
2. Ver a esse propósito Michael HARDT e Antonio NEGRI, Empire, Cambridge,
Massachusetts, Harvard University Press, 2000.
3. BRZEZINSKI, Zbigniev, Between two ages. America's Role in the Technetronic
Era, Harmondsworth, Penguin Book Ltd, 1970.
4. Cf. North-South: A Programme for Survival, Londres, Pan Books World
Affairs, 1980, especialmente o capítulo 16, pp. 257-266.
5. Entre os primeiros teóricos "modernos" dessa concepção, podemos
mencionar Francisco de Victoria (com sua interpretação da destinação
universal dos bens) e Hugo Grotius (com sua doutrina da liberdade de
navegação).
6. Foi nessa ocasião que a Congregação para a Doutrina da Fé publicou sua
declaração Dominus Iesus.
7. Cf. KELSEN, Hans, Théorie pure du droit, tradução para o francês de Charles
Eisennman, Paris, LGDJ, 1999.
8. Esse texto encontra-se em Human Development Report 1994, publicado pelo
PNUD, New York e Oxford, 1991; a citação está na p.88.
9. Cf. Lc 2, 33s; 12, 51-53; 21, 12-19; Mt 10, 34-36; 23; 31s; Jo 1; 6; 1Jo 3, 22-
4, 6.
Fonte: http://perso.infonie.be/le.feu/ms/divpr/globpr.htm