sexta-feira, 29 de junho de 2012

"Oração aos Moços" (5) - Rui Barbosa

Mas, senhores, os que madrugam no ler, convém madrugarem também no pensar. Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas idéias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila. Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas.

Já se vê quanto vai do saber aparente ao saber real. O saber de aparência crê e ostenta saber tudo. O saber da realidade, quanto mais real, mais desconfia, assim do que vai aprendendo, como do que elabora.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

"Oração aos Moços" (4) - Rui Barbosa

O amanhecer... Sábias palavras! Coisas que sempre tive comigo...

O amanhecer do trabalho há de antecipar-se ao amanhecer do dia. Não vos fieis muito de quem esperta já sol nascente, ou sol nado. Curtos se fizeram os dias, para que nós o dobrássemos, madrugando. Experimentai, e vereis quanto vai do deitar tarde ao acordar cedo. Sobre a noite o cérebro pende ao sono. Antemanhã, tende a despertar.

Não invertais a economia do nosso organismo: não troqueis a noite pelo dia, dedicando este à cama, e aquela às distrações. O que se esperdiça para o trabalho com as noitadas inúteis, não se lhe recobra com as manhãs de extemporâneo dormir, ou as tardes de cansado labutar. A ciência, zelosa do escasso tempo que nos deixa a vida, não dá lugar aos tresnoites libertinos. Nem a cabeça já exausta, ou estafada nos prazeres, tem onde caiba o inquirir, o revolver, o meditar do estudo.

Os próprios estudiosos desacertam, quando, iludidos por um hábito de inversão, antepõem o trabalho, que entra pela noite, ao que precede o dia. A natureza nos está mostrando com exemplos a verdade. Toda ela, nos viventes, ao anoitecer, inclina para o sono. A essa lição geral só abrem triste exceção os animais sinistros e os carniceiros. Mas, quando se avizinha o volver da luz, muito antes que ela arraie a natureza, e ainda primeiro que alvoreça no firmamento, já rompeu na terra em cânticos a alvorada, já se orquestram de harmonias e melodias campos e selvas, já o galo, não o galo triste do luar dos sertões do nosso Catulo, mas o galo festivo das madrugadas, retine ao longe a estridência de seus clarins, vibrantes de jubilosa alegria.

(...)

Tenho, ainda hoje, convicção de que nessa observância persistente está o segredo feliz, não só das minhas primeiras vitórias no trabalho, mas de quantas vantagens alcancei jamais levar aos meus concorrentes, em todo andar dos anos, até a velhice. Muito há que já não subtraio tanto às horas da cama, para acrescentar às do estudo. Mas os sistema ainda perdura, bem que largamente cerceado nas antigas imoderações. Até agora, nunca o sol deu comigo deitado e, ainda hoje, um dos meus raros e modestos desvanecimentos é o de ser grande madrugador, madrugador impenitente.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

"Oração aos Moços" (3) - Rui Barbosa

Sobre igualdade...
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.

(...)
Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um,  nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho.

(...)
Ninguém desanime, pois, de que o berço lhe não fosse generoso, ninguém se creia malfadado, por lhe minguarem de nascença haveres e qualidades. Em tudo isso não há surpresas, que se não possam esperar da tenacidade e santidade no trabalho.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

"Oração aos Moços" (2) - Rui Barbosa

Quando ouço falar que somos um povo pacífico, penso: pacífico ou acomodado? Como nos chama a atenção Rui Barbosa:


Nem toda ira, pois, é maldade; porque a ira, se, as mais das vezes, rebenta agressiva e daninha, muitas outras, oportuna e necessária, constitui o específico da cura. (...)

(...)

(...)quem, senão ela, varrer dos serviços do Estado o prevaricador, o concussionário e o ladrão público? quem, senão ela, precipitar do governo o negocismo, a prostituição política, ou a tirania? quem, senão ela, arrancar a defesa da pátria à cobardia, à inconfidência, ou à traição? Quem, senão ela, ela a cólera do celeste inimigo dos vendilhões do templo e dos hipócritas? a cólera do justo, crucifixo entre os ladrões? a cólera do Verbo da verdade, negado pelo poder da mentira? a cólera da santidade suprema, justiçada pela mais sacrílega das opressões?

Todos os que nos dessedentamos nessa fonte, os que nos saciamos desse pão, os que adoramos esse ideal, nela vamos buscar a chama incorruptível. É dela que, ao espetáculo ímpio do mal tripudiante sobre os reveses do bem, rebenta em labaredas a indignação, golfa a cólera em borbotões das fráguas da consciência, e a palavra sai, rechinando, esbraseando, chispando como o metal candente dos seios da fornalha.

Esse metal nobre, porém, na incandescência da sua ebulição, não deixa escória. Pode crestar os lábios, que atravessa. Poderá inflamar por momentos o irritado coração, de onde jorra. Mas não o degenera, não o macula, não o resseca, não o caleja, não o endurece; e, no fundo são da urna onde tumultuam essas procelas, e onde borbotam essas erupções, não assenta um rancor, uma inimizade, uma vingança. As reações da luta cessam, e fica, de envolta com o aborrecimento ao mal, o relevamento dos males padecidos.

domingo, 17 de junho de 2012

"Oração aos Moços" (1) - Rui Barbosa

Há pouco tive o grande prazer de ler pensamentos que já deveriam ter sido apreciados há muito tempo, mas... antes tarde do que nunca!
Assim, aproveito para refrescar a memória dos que já leram e instigar a leitura aos que não a fizeram, postando alguns dos trechos em que Rui Barbosa mais me inspirou neste  seu discurso para a turma de 1920 da Faculdade de Direito de São Paulo.
Sábias palavras e, apesar do tempo passado, espero que ainda produzam muitas reflexões.

Metei a mão no seio, e aí o sentireis (o coração) com a sua segunda vista. Desta, sobre tudo, é que ele nutre sua vida agitada e criadora. Pois, não sabemos que, com os antepassados, vive ele da memória, do luto e da saudade? E tudo é viver no pretérito. Não sentimos como, com os nossos conviventes, se alimenta ele na comunhão dos sentimentos e índoles, das idéias e aspirações? E tudo é viver num mundo, em que estamos sempre fora deste, pelo amor, pela abnegação, pelo sacrifício, pela caridade. Não nos será claro que, com os nossos descendentes e sobreviventes, com os nossos sucessores e pósteros, vive ele de fé, esperança e sonho? Ora, tudo é viver, previvendo, é existir, preexistindo, é ver, prevendo. E, assim, está o coração, cada ano, cada dia, cada hora, sempre alimentado em contemplar o que não vê, por ter em dote dos céus a preexcelência de ver, ouvir e palpar o que os olhos não divisam, os ouvidos não escutam, e o tacto não sente.