quinta-feira, 12 de julho de 2012

"Oração aos Moços" (fim) - Rui Barbosa

Por derradeiro, amigos de minha alma, por derradeiro, a última, a melhor lição da minha experiência. De quanto no mundo tenho visto, o resumo se abrange nestas cinco palavras:

Não há justiça, onde não haja Deus.

Quereríeis que vo-lo demonstrasse? Mas seria perder tempo, se já não encontrastes a demonstração no espetáculo atual da terra, na catástrofe da humanidade. O gênero humano afundiu-se na matéria, e no oceano violento da matéria flutuam, hoje, os destroços da civilização meio destruída. Esse fatal excídio está clamando por Deus. Quando ele tornar a nós, as nações abandonarão a guerra, e a paz, então, assomará entre elas, a paz das leis e da justiça, que o mundo ainda não tem, porque ainda não crê.

Este trecho que coloquei como fim, na realidade está antes do trecho anterior. Mas, por concordar que era seu máximo argumento, achei melhor citar por último.

Quão importantes palavras em tão singelo livro, que antes era apenas um discurso a uma turma de formandos.

É notório como a maioria do discurso ecoa até os dias de hoje com tamanha atualidade... Vê-se que poucas coisas mudaram e o fim aqui citado tem em si a visão de um homem que lidou com valores o tempo todo e observou as misérias humanas - a falta de amor de uns pelos outros; a falta de perdão; a falta de honestidade; a falta de ética; a falta de humildade - infelizmente são coisas que ainda, depois te tantas "evoluções técnicas e científicas", predominam nas relações humanas...

O resumo deste tão experiente jurisconsulto, político e cidadão, no trecho acima citado,  deve nos levar a reflexões diárias sobre nossos próprios atos. É para se levar em conta que Rui Barbosa, depois de tantas vivências, diz que sua melhor lição é buscar a presença de Deus. Pensemos...

quarta-feira, 11 de julho de 2012

"Oração aos Moços" (8) - Rui Barbosa

Exortação ao Equilíbrio e à Ética para os que operam o Direito...

Legalidade e liberdade são as tábuas da vocação do advogado. Nelas se encerra, para ele, a síntese de todos os mandamentos. Não desertar a justiça, nem cortejá-la. Não lhe faltar com a fidelidade, nem lhe recusar o conselho. Não transfugir da legalidade para a violência, nem trocar a ordem pela anarquia. Não antepor os poderosos aos desvalidos, nem recusar patrocínio a estes contra aqueles. Não servir sem independência à justiça, nem quebrar da verdade ante o poder. Não colaborar em perseguições ou atentados, nem pleitear pela iniquidade ou imoralidade. Não se subtrair à defesa das causas impopulares, nem à das perigosas, quando justas. Onde for apurável um grão, que seja, de verdadeiro direito, não regatear ao atribulado o consolo do amparo judicial. Não proceder, nas consultas, senão com imparcialidade real do juiz nas sentenças. Não fazer da banca balcão, ou da ciência mercatura. Não ser baixo com os grandes, nem arrogante com os miseráveis. Servir aos opulentos com altivez e aos indigentes com caridade. Amar a pátria, estremecer o próximo, guardar fé em Deus, na verdade e no bem.

domingo, 8 de julho de 2012

"Oração aos Moços" (7) - Rui Barbosa

Quem é fiel no pouco é fiel no muito...

"Moços, se vos ides medir com o direito e o crime na cadeira de juízes, começai, esquadrinhando as exigências aparentemente menos altas dos vossos cargos, e proponde-vos caprichar nelas com dobrado rigor; porque, para sermos fiéis no muito, o devemos ser no pouco. 'Qui fidelis est in minimo, et in majori fidelis est;et qui in modico iniquus est, et in majori iniquus est.'

(...)

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que a lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente."

sexta-feira, 6 de julho de 2012

"Oração aos Moços" (6) - Rui Barbosa

Se não para concordar, serve para meditar...
Se não para viver, serve para sonhar e esperar - ação de quem tem esperança...

"Ora, dizia S. Paulo que boa é a lei, onde se executa legitimamente. Bona est lex, si quis ea legitime utatur. Quereria dizer: Boa é a lei, quando executada com retidão. Isto é: boa será, em havendo no executor a virtude, que no legislador não havia. Porque só a moderação, a inteireza e a equidade, no aplicar das más leis, as poderiam, em certa medida, escoimar da impureza, dureza e maldade, que encerrarem. Ou, mais lisa e claramente, se bem o entendo, pretenderia significar o apóstolo das gentes que mais vale a lei má, quando inexecutada, ou mal executada (para o bem), que a boa lei, sofismada e não observada (contra ele).

Que extraordinário, que imensurável, que, por assim dizer, estupendo e sobre-humano, logo, não será, em tais condições, o papel da justiça! Maior que o da própria legislação. Porque, se dignos são os juízes, como parte suprema, que constituem, no executar das leis - em sendo justas, lhes manterão eles a sua justiça, e, injustas, lhes poderão moderar, se não, até, no seu tanto, corrigir a injustiça.

De nada aproveitam leis, bem se sabe, não existindo quem as ampare contra abusos; e o amparo sobre todos essencial é o de uma justiça tão alta no seu poder, quanto na sua missão. 'Aí temos as leis', dizia o Florentino. 'Mas quem lhes há de ter mão? Ninguém.'

'Le leggi son, ma chi pon mano ad esse?
Nullo' (Dante: Purgatório, XVI, 97-98)"